Opinião Pública – Vol. 29, Nº 1 2023
Artigos desta edição
Autores: Lisa Zanotti, Jose Rama e Talita Tanscheit
Este artigo analisa os fatores individuais que ajudam a entender o apoio eleitoral a Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2018 no Brasil, à luz das conclusões para a Direita Populista Radical (PRR) na Europa Ocidental. O artigo contribui para a literatura comparada sobre os determinantes do voto para a PRR em um país não europeu. Analisar a ascensão da PRR na América Latina é particularmente relevante, uma vez que as restrições estruturais limitam suas chances. Para realizarmos nossa análise, contamos com os dados da pesquisa do Estudo Eleitoral Brasileiro (ESEB). Além de algumas especificidades devido a diferenças na articulação das principais ideologias do PRR, constatamos que enquanto certos determinantes do voto para o PRR no Brasil estão de acordo com a expectativa baseada na experiência europeia, outros respondem a padrões do país e da região, como a identidade negativa com relação ao PT.
Autores: Riccardo Valente e Julian Borba
Estudos anteriores sobre populismo autoritário colocaram a hipótese de uma relação entre o “cultural backlash” e o partidarismo negativo, sugerindo que os valores conservadores e o ódio aos partidos de oposição alimentam o desejo de uma liderança forte. Este artigo contribui para a literatura ao testar a influência do ressentimento de classe social na ascensão do Bolsonaro ao poder no Brasil. Com base na pesquisa AmericasBarometer 2018/19, a análise revalida as conclusões de estudos anteriores, destacando o papel central da rejeição ao Partido dos Trabalhadores na explicação da propensão para votar no candidato de extrema-direita e, em menor grau, a influência dos valores autoritários neste estudo de caso. Nossas conclusões dão algum apoio à hipótese de ressentimento de classe social também. O ressentimento de classe social foi encontrado moderar significativamente a relação entre sentimento antipetista e comportamento dos eleitores, o que esclarece a capacidade de Bolsonaro de captar eleitores ressentidos dispostos a subordinar a redistribuição social à defesa de privilégios previamente adquiridos.
Autor: André Bello
Este artigo analisa a natureza da polarização política no Brasil com a aplicação de múltiplas técnicas para aumentar a robustez dos resultados. Um índice de polarização política para o período entre 1989 e 2019 foi construído com base em técnicas estatísticas para análises de dados em nível macro e usando perguntas sobre o sentimento partidário positivo e negativo em relação ao Partido dos Trabalhadores (PT). Os resultados mostram que existe uma polarização política afetiva e dinâmica, estruturada por períodos de mais convergência e de mais divergência. Os sentimentos de petismo e antipetismo produzem polarização política, de maneira que o antagonismo entre os dois grupos é crescente ao longo do tempo. Este artigo inaugura um debate sobre a polarização política dinâmica na América Latina dentro da perspectiva da macropolítica.
Autores: Camila Farias da Silva e Eduardo Georjão Fernandes
Este artigo analisa como as emoções são incorporadas ao enquadramento pela mídia corporativa de eventos de protesto por meio do estudo de imagens. A partir da articulação entre as teorias do enquadramento interpretativo e das emoções na ação coletiva, construiu-se um modelo de análise visual baseado na identificação dos quadros dominantes e dos processos de refinamento do olhar em três dimensões: técnicas fotográficas, interações e emoções. O modelo foi aplicado à cobertura do jornal Zero Hora ao protesto de 20 de junho de 2013 em Porto Alegre. Os resultados indicam que o jornal incorpora regimes emocionais ambivalentes: associa o protesto a símbolos de grandiosidade, patriotismo e festividade, os quais tendem a vincular-se a emoções morais (ex.: orgulho) e de lealdade e compromisso (ex.: confiança); por outro lado, táticas “violentas” são associadas a perigo/risco, ligadas a emoções reflexas (ex.: medo) e morais (ex.: indignação). Tais achados introduzem elementos visuais e emocionais à teoria dos enquadramentos da ação coletiva, com a proposição de um modelo analítico que pode ser replicado em estudos futuros.
Autores: Diego Moraes Silva, Thaíse Kemer e Camila Mont’Alverne
A educação é frequentemente vista como solução para déficits democráticos, mas seu papel nas atitudes políticas ainda é pouco compreendido. Este artigo investiga a associação entre escolaridade e adesão à democracia em São Paulo. Partindo de uma amostra representativa com 2.417 entrevistas, a análise do contexto paulistano se mostra oportuna para o estudo, já que a cidade é caracterizada por melhores notas em avaliações educacionais e possui relevante histórico de engajamento político. Utilizando modelos hierárquicos de regressão, encontrou-se que a escolaridade é um preditor significativo da adesão à democracia, ao passo que níveis mais altos de escolaridade estão associados a uma maior adesão. Os resultados divergem de achados de outros trabalhos que consideram o Brasil como um todo: ao contrário deles, encontramos que o acesso à educação superior é um fator-chave para a valorização da democracia.
Autores: Aleksei Zolnerkevic e Fernando Guarnieri
As eleições municipais de 2016 e 2020 em São Paulo apresentaram resultados desviantes das anteriores tanto nos padrões espaciais como no desempenho dos candidatos. Enquanto em 2016 o PT não obteve vitória em nenhum distrito, com parte dos seus votos “roubados” por Marta Suplicy (PMDB), em 2020 o partido pela primeira vez desde 1985 não ficou entre os primeiros colocados, posto ocupado pelo PSOL. Este artigo, através de mapas e análise fatorial, apresenta evidências desse desvio e busca possíveis explicações analisando, por meio de inferência ecológica, a transferência de votos de uma eleição para outra com a hipótese de que essa transferência se deve mais a um voto estratégico do que a realinhamentos eleitorais. Os resultados mostram que não houve uma modificação no “alinhamento do eleitor” e que os desvios encontrados se devem às estratégias de competição adotadas pelos partidos.
Autor: Rafael Mesquita
O artigo investiga se há evidência de uma “ascensão e queda” das potências emergentes nos últimos 20 anos aos olhos da opinião pública. Comparamos diversos surveys nacionais e regionais sobre a política externa da África do Sul, Brasil e Turquia em busca de indícios de endosso ou reprovação das políticas exteriores mais assertivas exercitadas por esses países. Os resultados sugerem uma ascensão e declínio pronunciados para Ancara, algum declínio para Brasília, mas são inconclusivos para Pretoria. O artigo busca contribuir com o debate sobre status e liderança regional agregando perspectivas de opinião pública e regionalismo comparado, além de oferecer um sumário conveniente de surveys diplomáticos para países do Sul Global.
Autores: Adolfo Abadía, Luciana Carla Manfredi e Juan Tomás Sayago
Este artigo investiga como a comunicação governamental no Twitter®, no contexto da crise da Covid-19, produziu diferentes sentimentos entre os cidadãos. Esse tipo de interação tem efeitos na percepção dos governantes e no cumprimento das restrições. Usando o pacote tidytext de R, um total de 28.344 tweets relacionados à Covid foram analisados entre janeiro de 2020 e março de 2021 de dez usuários do Twitter® (Prefeitos e Câmaras Municipais de Barranquilla, Bogotá, Cali e Medellín, presidente e presidência). Este estudo busca gerar uma contribuição para o campo da comunicação política a partir da análise da comunicação governamental durante a crise da Covid-19 e dos sentimentos que a interação cidadã governante desperta no período selecionado.
Autores: Carolina Andion, Aghata Karoliny Ribeiro Gonsalves e Thiago Gonçalves Magalhães
O Brasil é reconhecido por possuir um marco regulatório avançado em termos de defesa dos direitos da criança e do adolescente, porém os desafios cotidianos para colocá-lo em prática ainda são imensos. Diante disso, como compreender esse gap entre regulação e prática? Este artigo propõe responder essa questão ancorando-se numa perspectiva pragmatista de análise, com a utilização do método da cartografia das controvérsias para o exame dessa política pública. Trata-se de retraçar a trajetória do debate nas arenas públicas que a compõem historicamente, buscando analisá-lo a partir dos principais porta-vozes, argumentos, controvérsias e visões de mundo presentes no debate público. Os resultados evidenciam como a ação pública nesse campo se (re) configura, a partir de processos de disputa e de estabilização, nesses 30 anos, identificando seus avanços e limites. As conclusões do estudo contribuem para identificar os desafios dessa política pública e demonstram que esta ocorre na interconexão de níveis, de formas de regulação e de redes de atores, o que implica uma revisão dos métodos tradicionais adotados na análise de políticas públicas.