Opinião Pública – Vol. 25, Nº 3 2019
Artigos desta edição
Autor: André Bonsanto Dias
A proposta deste artigo é problematizar o processo de institucionalização da chamada grande imprensa no Brasil, pensada sob o viés de um outro “quarto poder”, entre a ditadura e a democracia. A análise será pautada nos jornais Folha de S. Paulo e O Globo, duas empresas que, da modernização autoritária que sofreram durante a ditadura à sua postura como agentes incisivos no processo de redemocratização, caminharam por processos muitas vezes ambíguos e tortuosos. Para isso o artigo pretende identificar, em alguns momentos específicos na história dos jornais, características que nos permitam configurar a busca de uma autoridade desses atores ante a cena de representação política, cruciais para perceber como os jornais procuraram definir e legitimar suas identidades no, com e pelo tempo.
Autores: João Feres Júnior, Marcia Rangel Candido, Patricia Bandeira de Melo e Lidiane Rezende Vieira
O paradigma de protesto é um conceito amplamente utilizado pela literatura internacional nos estudos do tratamento dispensado pela grande mídia a manifestações políticas e sociais. Há três explicações para sua ocorrência: (1) varia com a orientação ideológica do meio (quanto mais conservador, maior a probabilidade de adotar o paradigma de protesto); (2) varia com a posição do protesto em relação ao status quo; e (3) nem sempre ocorre. Neste artigo analisamos a cobertura que a grande mídia brasileira dispensou às greves gerais de 2017 contra as reformas trabalhista e previdenciária, examinando os discursos e imagens associados aos grupos envolvidos nas greves gerais no Jornal Nacional e nos impressos Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e O Globo. Para tal utilizamos as metodologias da análise de enquadramento, interpretação de imagens e nuvens de palavras. Os resultados encontrados confirmam a ocorrência de paradigma de protesto nesses casos e revelam cinco modos predominantes de enquadrar as greves: (1) violência e vandalismo, (2) ação egoísta e desorganizada, (3) transtorno ao espaço público, (4) fonte de prejuízo à economia e (5) ausência de legitimidade popular. Na conclusão refletimos sobre a contribuição do presente artigo para o debate internacional sobre o assunto.
Autores: Mario Fuks e Ednaldo Ribeiro
Entendendo a tolerância política como uma das dimensões de uma cultura política democrática, o artigo utiliza um conjunto de dados inéditos produzidos pelo Latin American Public Project para compor, de forma exploratória, um quadro geral sobre essa atitude no contexto nacional. Por meio de técnicas de análise descritivas e multivariadas, identificamos os principais grupos que são alvo de antipatia dos brasileiros e o grau de tolerância em relação a eles, bem como as suas bases demográficas e atitudinais. Os resultados indicam que a manifestação da tolerância é função de atributos tanto sociais (como a geração) quanto atitudinais (como adesão à democracia e interesse por política) e apontam para uma ampla agenda de investigações futuras sobre o tema.
Autores: André Jácomo de Paula Pinto, Fernando Canto Michelotti, Robert Vidigal e Pedro Santos Mundim
O artigo analisa como os brasileiros se posicionam em relação ao Programa Bolsa Família (PBF) e seus beneficiários. Os dados são de uma pesquisa nacional de opinião pública encomendada pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom-PR). Resultados de um modelo logístico multinomial sobre as chances de apoio ao PBF mostraram que elas crescem com a avaliação positiva do governo federal, o nível de informação sobre o programa e o contato com beneficiários, mas caem com o aumento da escolaridade, da renda familiar e do nível de individualismo dos entrevistados. Ambivalências aparecem quando as análises se voltam para as opiniões sobre a gestão do Bolsa Família e seus beneficiários em particular. Regressões via mínimos quadrados ordinários (MQO), estimadas para avaliar as opiniões sobre os impactos positivos do PBF, a suposta falta de controle do programa e os beneficiários, mostraram que possuir mais conhecimento sobre o programa não diminui as visões negativas sobre os beneficiários ou as críticas em relação ao seu controle. De modo surpreendente, essas visões críticas estão presentes mesmo entre grupos de pessoas que teriam maiores chances de receber os recursos do Bolsa Família, como os menos escolarizados, não brancos e moradores do Nordeste.
Autor: Olívia Cristina Perez
Este artigo aborda organizações políticas denominadas coletivos e suas relações com o ciclo de protestos conhecido como Jornadas de Junho de 2013. Na pesquisa exploratória foram entrevistados membros de 21 coletivos da cidade de Teresina e sistematizadas informações de 725 páginas de coletivos cadastradas na rede social Facebook. Os resultados indicam que os coletivos foram criados principalmente nos últimos seis anos, sendo que membros de alguns deles conheceram a forma de organização política do tipo coletivo depois das Jornadas. Além dessa relação, os coletivos criticam partidos políticos e organizações tradicionais pela presença de hierarquias e ineficiência, críticas também presentes nas Jornadas. Justamente para se contraporem a esse modelo de organização política, alguns coletivos defendem práticas mais autônomas e horizontais. Para que se entenda a emergência de organizações após os protestos, são retomadas reflexões de teóricos dos movimentos sociais. O texto contribui com os estudos sobre mobilizações sociais ao analisar legados das Jornadas, como o incentivo aos coletivos.
Autor: Davi Moreira
O artigo apresenta a tese de que a atividade parlamentar no âmbito da Câmara dos Deputados não se reduz ao processo decisório. Ele responde à seguinte questão: há indícios suficientes para afirmar que a frequência de comunicação parlamentar no âmbito da Câmara dos Deputados é governada pela relação governo-oposição, assim como constatado em sua atuação no processo decisório? Para respondê-la, foi realizada a análise da frequência de discursos proferidos por mais de 2 mil oradores diferentes ao longo de mais de 15 anos. Com evidências robustas sobre a frequência dos discursos proferidos, verifica-se que essa atividade não é governada pela relação governo-oposição. Os resultados apresentam a influência de outras variáveis sobre a atuação parlamentar.
Autor: Rosiene Guerra
Este artigo analisa as mudanças na estrutura interna dos ministérios no Poder Executivo brasileiro entre os anos de 1990 e 2014. O argumento geral é de que, no presidencialismo de coalizão, o presidente se posiciona em uma complexa rede de delegação em que enfrenta diversos custos de agência e, para lidar com isso, dispõe de uma caixa de ferramentas a serem usadas. A literatura aponta para algumas dessas ferramentas, porém, pouco explora o poder administrativo, relacionado à dimensão estrutural dos ministérios. Nesse sentido, o artigo visa contribuir com esse debate ao endereçar a seguinte questão: quais fatores influenciaram as mudanças estruturais nos ministérios do Executivo brasileiro nos anos de 1990 a 2014? Em outras palavras, o poder administrativo é um recurso empregado pelo presidente para lidar com os custos de agência decorrentes de sua relação com os partidos da coalizão? Caso contrário, quais outros fatores podem influenciar a decisão do presidente para utilizar tal poder? O estudo longitudinal é de caráter explicativo e adota uma abordagem quantitativa de pesquisa. Os resultados mostraram que o presidente utiliza com cautela seu poder administrativo de redesenho ministerial, fortalecendo as estruturas dos ministérios mais salientes para a sua agenda e dos ministérios mais institucionalizados.
Autor: Marcia Dias
Este artigo pretende identificar a ocorrência do diálogo, sua natureza e contribuição para o esclarecimento das propostas eleitorais das três principais candidaturas em disputa nas eleições presidenciais de 2014: Dilma Rousseff (PT), Aécio Neves (PSDB) e Marina Silva (PSB). A fonte primordial de informações foi o Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral – HGPE (bloco e spots) veiculado durante os dois turnos das eleições. O primeiro objetivo foi elaborar uma análise quantitativa da ocorrência do diálogo direto entre as candidaturas. O segundo objetivo foi qualificar a natureza desse diálogo, classificando-o em três categorias: desconstrução da imagem pessoal, desconstrução da imagem política e crítica ao projeto político defendido pelo adversário. Tal classificação permitiu avaliar em que medida o diálogo entre os candidatos possibilitou discernir com maior ou menor clareza os contornos político-ideológicos entre os projetos governamentais em disputa. Conclui-se que a ocorrência do diálogo entre os presidenciáveis em 2014 foi potencializada pelo aumento súbito da competitividade da campanha.
Autor: Igor Ferraz da Fonseca
O cenário em torno das instituições participativas brasileiras é marcado por certa estagnação, tendo em vista vínculos históricos com partidos de esquerda. Na conjuntura posterior às eleições de 2018, faz-se necessário voltar o olhar para experiências ativas em governos conservadores. Nessa linha, este artigo analisa uma experiência supralocal institucionalizada por um governo de direita e que possui mais de 20 anos de história: a Consulta Popular, no Rio Grande do Sul. O referencial teórico discute o salto de escala e a institucionalização da participação, e a metodologia utilizada foi qualitativa, com ênfase na técnica de rastreamento de processos (process tracing). Os resultados mostram que o aumento de escala foi insuficiente para garantir uma transformação ampla do sistema político. No entanto, a Consulta apresenta uma forma inovadora de promover a participação e a deliberação em escala supralocal, a partir da perspectiva da governança suficientemente boa. Já a institucionalização foi fundamental para explicar sua resiliência em relação às mudanças de governo. Por fim, o caso aponta que, se a instituição participativa mostra resultados em termos de eficiência na gestão pública e não tem a ambição de alterar o status quo preestabelecido, a participação pode ser tolerada e incentivada em governos de direita.