Opinião Pública – Vol. 29, Nº 2 2023
Artigos desta edição
Autores: Emmanuel Nunes de Oliveira e José Álvaro Moisés
A corrupção política é um dos problemas mais graves e complexos enfrentados pelas novas e velhas democracias. Fundamentalmente, ela envolve o abuso de poder público para qualquer tipo de benefício privado, incluindo vantagens para partidos de governo. Desqualifica, assim, o princípio de igualdade política inerente à democracia, pois seus protagonistas podem obter ou manter poder e benefícios políticos desproporcionais ao que conseguiriam por meio de formas legítimas e legais de competir politicamente. Ao mesmo tempo, a corrupção distorce a dimensão republicana da democracia porque faz com que as políticas públicas resultem, não do debate e da disputa pública entre diferentes projetos, mas de acordos de bastidores que favorecem interesses espúrios. Apesar da eficiência de instrumentos metodológicos clássicos como pesquisas de opinião com questionário estruturado e pesquisas qualitativas com grupos focais, ainda é possível identificar vieses na qualidade das informações coletadas sobre corrupção. Este artigo visa abordar essa questão apresentando dois experimentos de pesquisa, um realizado em 2014 e outro em 2018. A pesquisa de 2014 indicou que há uma diferença substantiva entre a pergunta direta e a pergunta experimental. O nível de tolerância à corrupção é muito superior ao apontado por outros instrumentos metodológicos. A comparação com o experimento de 2018 permitiu a validação e extrapolação dos resultados encontrados por Moisés e Nunes de Oliveira (2018).
Autor: Carlos Oliveira
Com objetivo de expandir a crescente literatura sobre misinformação para um contexto diferente dos países desenvolvidos, este artigo busca respostas para perguntas como: que tipo de pessoas são mais suscetíveis à misinformação? O que determinaria tal vulnerabilidade? Esta pesquisa usa uma amostra de eleitores brasileiros, ouvidos entre maio e junho de 2019, e constata que as preferências partidárias isoladamente não explicam a suscetibilidade à misinformação. O efeito das preferências partidárias sobre a propensão à misinformação é moderado pela capacidade analítica, necessidade de cognição e conhecimento político. Pessoas com altos níveis desses atributos tendem a ser mais capazes de avaliar uma informação através das lentes de suas crenças políticas. Os achados também sugerem que as pessoas que mais confiam no jornalismo profissional podem ser menos propensas à misinformação.
Autor: Thais Pavez
O artigo discute as motivações e sentidos do voto popular na eleição presidencial que levou o bolsonarismo ao poder, analisando dados qualitativos de um estudo realizado entre 2018 e 2019 em duas regiões: no Ceará (Juazeiro do Norte, Crato e Araripe) e em São Paulo (Marília e cidade de São Paulo). Mostramos uma cisão em relação ao que, até então, as camadas populares esperavam da política, entre a continuidade do lulismo, por um lado, e uma mudança radical, por outro. Assim, os resultados confirmaram uma rachadura na base lulista no plano mais profundo das crenças, valores e expectativas. No âmbito do imaginário, verificamos uma mediação religiosa nos embates das expectativas populares, ligada às crenças messiânicas, que historicamente entrelaçaram política e religião.
Autores: Marcelo Kunrath Silva e Cristiano Nicola Ferreira
O objetivo deste artigo é analisar como se estrutura e se transforma o debate público sobre a política de drogas no Brasil entre os anos de 2003 e 2016. Para responder a essa problematização, foram analisados 306 materiais publicados no jornal Zero Hora. A análise demonstra que houve mudanças significativas na configuração do debate público sobre o “problema das drogas” no país na última década. Mais especificamente, é demonstrado que o debate público tende a ser mais heterogêneo, em termos de agentes e de enquadramentos, do que aquilo que se expressa na política de drogas vigente. Identificar e analisar essa heterogeneidade é importante para a compreensão das controvérsias e das posições em disputa sobre a política de drogas.
Autores: Alexsandro Eugenio Pereira, Acácio Vasconcelos Telechi e Danniele Varella Rios
O artigo analisa a participação de atores sociais no Subgrupo de Trabalho nº 10 sobre Assuntos Laborais, Emprego e Seguridade Social do Mercosul (SGT 10), no período de 1995 a 2019, em duas etapas: na primeira delas, procurou-se analisar o conjunto de atores sociais dos quatro Estados-Partes fundadores do Mercosul; na segunda, a abordagem concentrou-se em quatro atores sociais dos dois principais Estados-Partes do Mercosul (Argentina e Brasil). Esses atores representam trabalhadores e empresários. A pesquisa utilizou análise documental e de conteúdo e estatística descritiva. No artigo, foi possível constatar que: (i) houve redução da participação dos atores sociais no SGT 10 no período analisado; e (ii) a agenda do SGT 10 mostrou-se permeável aos interesses dos quatro atores sociais selecionados quando se analisam as decisões aprovadas dentro desse subgrupo.
Autor: Marcelo de Souza Marques
Desde os anos 1990 é possível verificar diferentes esforços voltados à análise das interfaces entre as organizações societárias e a esfera institucional. No Brasil, recentemente se observou a estruturação do campo das interações socioestatais. Embora não configure uma abordagem unificada, suas contribuições têm colocado em questão abordagens fronteiriças, fazendo avançar reflexões teóricas, metodológicas e análises empíricas sobre o envolvimento dos movimentos sociais nas políticas públicas. Inserindo-se nessa temática e almejando uma abordagem relacional para ressaltar a mútua constituição entre as esferas societária e estatal, revisitei o conceito de sociedade civil na tradição habermasiana para destacar três aspectos críticos, a saber: negação do político (despolitização); otimismo (associação normativa entre sociedade civil e democracia); e relacionismo. As reflexões reforçam as limitações analíticas do conceito e destacam a importância da mútua constituição para a análise das interações socioestatais.
Autor: Paulo Magalhães Araújo
Este artigo apresenta uma análise da produção de indicações pelos deputados federais no intervalo 2007-2018. A indicação é um dispositivo legislativo que se caracteriza como sugestão, por meio da qual os parlamentares solicitam ao poder executivo – e outros órgãos administrativos – a realização de obras públicas, a regulação ou a prestação de serviços. Além de apresentar um panorama sobre a produção de indicações no período mencionado, defende-se no artigo a hipótese de que os deputados mobilizam as indicações em busca da distribuição de benefícios concentrados para, com isso, auferir ganhos eleitorais. Defende-se, também, a hipótese de que os deputados governistas, por terem expectativas mais positivas em relação ao acolhimento de suas sugestões pelo governo, são mais profícuos na produção de indicações. Para testar as hipóteses, o artigo conta com 19.058 indicações devidamente categorizadas. Os dados mostram que, de fato, os deputados federais fazem um uso ostensivo das indicações visando transferir benefícios para seus distritos e, ainda, que os deputados governistas são mais propensos a emitir indicações do que os não governistas.
Autores: Vitor Vasquez e Benjamin de Oliveira Magalhães
No Brasil, o partido presidencial centraliza cargos e propostas legislativas no Executivo, demonstrando empenho em implementar sua agenda. Porém, um projeto só se torna lei após passar pelo Legislativo, o que frequentemente é alterado nas comissões. Assim o partido presidencial busca centralização também nesses órgãos. Este artigo analisa se e como isso ocorre. Analisamos descritivamente, e com regressão logística, dados da Câmara da presidência de comissão e relatoria (1995-2014). Apontamos que o partido presidencial recebe relatorias em proporção superior ao peso de sua bancada, sobretudo em projetos do governo: seus deputados presidem as comissões que mais designam relatores e priorizam seus correligionários nas indicações. O artigo traz contribuições sobre relação Executivo-Legislativo, gerenciamento de coalizão e ratifica a relevância das comissões no processo decisório.
Autores: Eva Pérez-López e Daniel Martín Pena
O artigo aborda o papel dos principais atores políticos no início do conflito catalão, Rajoy (presidente da Espanha) e Mas (presidente da Catalunha). A partir de uma tipologia de frames de conflito e estratégias de produção de discurso ideológico, seis discursos de ambos são analisados em relação aos acontecimentos relevantes. Os referenciais presentes nos discursos de Mas são o político, o simbólico e o normativo. Nos de Rajoy, o pragmático e o normativo. Os fatores contextuais influenciam a variação das estruturas e estratégias dos atores. As estruturas usadas pelas partes realimentam suas posições e amortecem os argumentos do adversário. Os argumentos pragmáticos de Rajoy são contestados por elementos da estrutura simbólica separatista. E os argumentos da legalidade constitucional colidem com os da legitimidade democrática do separatismo.