Opinião Pública – Vol. 21, Nº 2 2015
Artigos desta edição
Autores: João Feres Júnior e Verônica Toste Daflon
O presente artigo trata do argumento do creamy layer, segundo o qual uma dada política pública tende a favorecer mais os indivíduos já privilegiados dentro do grupo de beneficiários. Tal argumento lança sobre a política a pecha de ineficiência, quando não de perversidade. Traçamos aqui brevemente a origem histórica do argumento na Índia, sua adoção por parte dos opositores à ação afirmativa nos Estados Unidos e, logo em seguida, sua recepção no Brasil. Usamos como fonte o universo de textos publicados sobre cotas raciais pelos jornais Folha de S. Paulo e O Globo. A investigação mostra que (1) o argumento foi incorporado no Brasil em grande medida pela recepção das ideias de Thomas Sowell, economista conservador norte-americano, (2) que por seu turno usou a Índia como exemplo de país que adotou políticas que privilegiaram um creamy layer, ainda que (3) no debate indiano a acusação de benefício dos privilegiados esteja longe de ser consensual. Por fim, mostramos que, a despeito de o argumento ter sido usado para combater as cotas no Brasil, as políticas reais implantadas em nosso país até 2012 tinham dispositivos explícitos para prevenir o benefício dos mais privilegiados, o que lança por terra o argumento do creamy layer.
Autor: Felipe Borba
Este artigo tem como propósito investigar a propaganda negativa nas eleições presidenciais brasileiras. Tema de extrema relevância tendo em vista que a literatura recente vem sugerindo que o tom das campanhas tem consequências importantes para a decisão do voto, a participação política e o nível de informação dos eleitores. Entretanto, a maior parte desses estudos foi realizada para entender a realidade política dos Estados Unidos. No Brasil, apesar do crescente interesse pelos efeitos da comunicação política, a propaganda negativa não se consolidou como agenda de pesquisa. A revisão da literatura registra produção esparsa e com resultados pouco consistentes. Este artigo busca superar parte dessa lacuna ao oferecer análise histórica da propaganda negativa veiculada no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral nas eleições presidenciais de 1989 a 2014 (primeiro e segundo turnos). O foco central é contribuir para o debate sobre os determinantes da campanha negativa dentro de um contexto multipartidário e altamente regulamentado. Os resultados indicam que o percentual médio de propaganda negativa é baixo no Brasil, sendo a estratégia usada principalmente no segundo turno, nos anos com reeleição e por candidatos em desvantagem nos índices de intenção de voto contra o líder. Ao todo, são analisadas 123 horas de propaganda eleitoral.
Autores: Magna Inácio e Daniela Rezende
Este artigo investiga a dinâmica de controle político entre Executivo e Legislativo sob o presidencialismo de coalizão no Brasil, com foco nos efeitos da delegação das tarefas de governo para o gabinete multipartidário. Argumentamos que as chances de controle horizontal, relativo ao monitoramento mútuo entre os partidos da coalizão, variam de acordo com o partido, o gabinete ministerial e as características das comissões parlamentares. O referente empírico da análise corresponde aos gabinetes presidenciais no Brasil no período de 1995 a 2010. Os resultados demonstram que a capacidade de controle horizontal de uma área de política pelo partido ministerial está relacionada à área temática considerada, às características da coalizão governante e aos partidos que ocupam os ministérios.
Autores: Rebecca Neaera Abers e Marília Silva de Oliveira
Neste artigo, exploramos mudanças na relação entre movimentos sociais e o governo do Partido dos Trabalhadores pela lente da política de nomeações de cargos de alto escalão no Ministério do Meio Ambiente (MMA) entre 2003 e 2013. Ao analisar as biografias profissionais e políticas de 147 nomeados, identificamos uma diminuição, ao longo do período, de nomeações de atores originários de movimentos sociais, acompanhada por um crescimento de nomeações de servidores públicos. Sugerimos que essa mudança não é somente resultado de transformações das preferências políticas do governo petista. Resulta também de um aumento no número absoluto de funcionários concursados, o que tornou o governo menos dependente, do que era no passado, das capacidades técnicas e políticas presentes na sociedade civil.
Autor: Carlos Ranulfo Melo
Este artigo parte do suposto de que existe expressiva variação nos vínculos estabelecidos entre legisladores e partidos no Brasil e procura explicá-la a partir de estudo realizado em 12 estados brasileiros. A variação é mensurada com o auxílio de um índice de partidarismo, construído com base em um conjunto de perguntas feitas aos representantes eleitos para as Assembleias Legislativas nas legislaturas 2007-2011 e 2011-2015. A variação encontrada é explicada em dois níveis. O primeiro remete a uma das dimensões da institucionalização dos diversos sistemas partidários estaduais: a estabilidade da competição eleitoral. O segundo remete a uma série de características individuais dos deputados, entre as quais se destaca o tempo de filiação ao partido. Ideologia, grau de particularismo no exercício do mandato e grau de progressismo relativamente a temas contemporâneos também apresentam impacto significativo e no sentido esperado sobre a variável dependente – o grau de partidarismo do deputado. As hipóteses aqui apresentadas haviam sido testadas com base em dados relativos à primeira das legislaturas acima. Ao agregar uma segunda legislatura, o presente estudo confirma e dá maior robustez aos resultados encontrados.
Autor: Yan de Souza Carreirão
Este artigo apresenta uma revisão da literatura internacional referente a estudos empíricos sobre representação política no âmbito das instituições centrais da democracia representativa, denominados em parte dessa literatura como estudos de "congruência política". Trata-se da análise do grau de correspondência entre, de um lado, as preferências políticas dos eleitores e, de outro, as preferências dos representantes ou as políticas aprovadas por eles no processo decisório. No Brasil esse tipo de análise empírica é quase inexistente. Uma significativa literatura sobre esses temas, no entanto, foi produzida nos últimos 50 anos – especialmente nos Estados Unidos e na Europa. Ao final é apresentada uma proposta de agenda de pesquisa empírica no país que se aproxima desse debate, contribuindo para uma melhor compreensão do processo de representação no âmbito da democracia brasileira.
Autores: Everton Rodrigo Santos e Marcello Baquero
O objetivo deste artigo é analisar as razões que determinam a avaliação satisfatória das políticas públicas em duas cidades da região metropolitana de Porto Alegre: Novo Hamburgo e Estância Velha. Para tanto, construímos um quadro teórico a partir da perspectiva analítica do capital social, que leva em conta os padrões valorativos locais (a cultura política) para a avaliação das políticas públicas. Nossa hipótese de trabalho é de que políticas públicas que encontram uma sociedade organizada, horizontalizada e detentora de capital social possuem melhores condições de obter êxito em seus propósitos. Assim, o capital social constitui-se num aliado às instituições políticas, na medida em que ele as tem impactado positivamente. Os resultados sugerem que índices altos de capital social são importantes variáveis que ajudam a melhorar o desempenho das políticas públicas municipais, melhorando o desempenho das instituições prestadoras de serviços à comunidade. A metodologia utiliza os resultados de duas pesquisas quantitativas, tipo survey domiciliares, aplicadas em Novo Hamburgo e em Estância Velha em 2012, com amostras probabilísticas, totalizando 1.219 questionários, com erro amostral de 4% e confiança de 95%, bem como pesquisa documental aos sites das referidas prefeituras, IBGE, TCE e FEE.
Autores: Rousiley Celi Moreira Maia, Patrícia G. C. Rossini, Vanessa V. de Oliveira e Alicianne G. de Oliveira
Diversos autores conceituam a Web 2.0 como uma "ecologia complexa" a fim de apreender as novas configurações da esfera pública nas sociedades contemporâneas. Contudo, raros estudos desenvolvem uma caracterização sistemática da especificidade das condições de comunicação nos ambientes digitais. Este artigo tem por objetivo caracterizar, numa base comparativa, três espaços de conversação online: blogs, sites de redes sociais (como o Facebook) e plataformas de conteúdo colaborativo (como o YouTube). A partir de uma exploração crítica da literatura corrente e de estudos empíricos, examinam-se as implicações da identificação dos participantes, o papel da moderação, a interatividade social e a natureza do público presumido. Tomando como pano de fundo as condições normativas para a deliberação, defende-se o argumento segundo o qual a relação entre o design e a organização dos espaços virtuais tem impactos específicos na configuração da argumentação e da conversação mediada. Como conclusão, indicamos algumas implicações da arquitetura técnica de distintas plataformas para pensar o ambiente complexo das conversações online sob uma perspectiva deliberacionista.