Opinião Pública – Vol. 26, Nº 2 2020
Artigos desta edição
Autor: Thiago do Nascimento Fonseca
Por que atores políticos correriam o risco de ser controlados no futuro por instituições independentes de combate à corrupção? O artigo pretende explicar o que motiva políticos a conferir maior independência e poder a essas instituições, sob o risco de serem controlados no futuro. Por meio do método process tracing, o artigo sistematiza evidências quanto à aprovação do desenho institucional do Tribunal de Contas da União no Processo Constituinte de 1988. Os resultados indicam que, independentemente das preferências dos políticos, instituições de combate à corrupção conquistam maior poder por meio de ameaças à sobrevivência política dos atores em contextos de incerteza futura. O diagnóstico questiona se instituições independentes de combate à corrupção são o produto de disputas democráticas, visto que nem sempre são resultado direto da preferência majoritária de representantes eleitos.
Autor: Frederico Batista Pereira
A maioria dos estudos sobre o voto no Brasil converge no diagnóstico de que a escala direita-esquerda não está associada à escolha do eleitorado. Todavia, parte da literatura frequentemente ignora ou desafia tal consenso. Para resolver essa questão, este artigo replica e reanalisa dados de opinião pública utilizados por estudos como evidência de que o eleitorado votaria sim com base na escala direita-esquerda (1989- 2014). Os resultados indicam que tais estudos incorrem em equívocos metodológicos que invalidam suas conclusões. A associação estatística entre ideologia e voto é baixa de modo geral e apenas alta em um grupo reduzido de pessoas politicamente mais sofisticadas. Por fim, a análise de dados de painel não encontra evidência de que a associação indique uma relação causal mesmo entre os(as) mais sofisticado(as). Em suma, é preciso buscar novos horizontes na explicação do voto no Brasil.
Autores: Bianca de Freitas Linhares, Daniel de Mendonça, Carolina Costa dos Santos, Lucas Garcia da Silva e Simone Muniz Puyo
O artigo analisa o comportamento ideológico dos deputados federais do PMDB em 2013. Partimos do princípio de que a fixação do partido em apenas um ponto no continuum ideológico é incapaz de captar a sua heterogeneidade. Para alcançar o objetivo proposto, apresentamos uma metodologia diferenciada. Projetos de lei foram classificados a partir da análise de seu conteúdo com base em um quadro de sentidos construído a partir de pronunciamentos dos próprios parlamentares. De modo geral, os resultados confirmam tendência já esboçada pela literatura, ou seja, que o PMDB ocupa posição de centro. Contudo, neste artigo, demonstramos importantes variações à esquerda e à direita no espectro. Nesse sentido, o principal achado do artigo é que, ainda que a sigla possa ser classificada em um ponto específico no espectro ideológico, esse ponto não pode ser visto de forma essencialista, pois apresenta variações importantes que precisam ser consideradas
Autor: Frederica Valle de Queiroz Padilha
Este artigo analisa como a dinâmica política de representação pode se traduzir em obstáculos para a mobilização de atores políticos do Legislativo em torno de uma agenda metropolitana. Seu objetivo é verificar a representatividade dos deputados de base metropolitana na Assembleia Legislativa de São Paulo e caracterizar a disputa eleitoral nos municípios paulistas a partir de dois indicadores: um de concentração (número efetivo de candidatos) e um de competitividade (índice T). Os resultados apontam que os deputados metropolitanos paulistas não são sub-representados na Assembleia e a disputa eleitoral nos municípios metropolitanos tende a ser menos concentrada, com um “efeito metrópole” sobre a concentração da disputa, mas não necessariamente mais competitiva.
Autores: Raquel D'Albuquerque e Natália Sátyro
O objetivo do artigo é explorar a configuração geral da entrega dos serviços socioassistenciais de proteção básica nos municípios brasileiros, situada no debate sobre a implementação de políticas sociais. Busca as grandes tendências da entrega de serviços no nível local com a análise da distribuição no plano macro, considerando que esse critério não é dado pelo Executivo central, mas é determinado no contexto local. Na ausência de estudos dessa natureza, adota-se um desenho de grounded theory e uso de análises quantitativas para aferir a relação entre a execução dos serviços socioassistenciais e a expressão de demanda de quem os recebe ou pode receber. Os resultados sugerem um comportamento discricionário diante do tamanho da demanda que molda o tipo de serviço oferecido: áreas de alta demanda priorizam serviços coletivos e áreas de menor demanda priorizam atendimentos individuais.
Autores: Fernanda Rivera Burle e Mathieu Turgeon
As políticas de ação afirmativa implementadas nas universidades públicas no Brasil abrangem três principais grupos: alunos de escolas públicas, alunos de baixa renda e alunos negros e indígenas. Opiniões sobre essa modalidade de política de ação afirmativa mais ampla, especialmente se mensuradas por perguntas diretas, podem ser enviesadas por um efeito de desejabilidade social. Este artigo procura entender se atitudes sobre diferentes tipos de políticas de ação afirmativa são propensas a um efeito de desejabilidade social e quais são os determinantes desse efeito. Para mensurar esse efeito e seus determinantes, um experimento de lista foi aplicado a 12.490 estudantes universitários em 2013. Os resultados revelam que as opiniões sobre os três tipos de políticas de ação afirmativa são propensas a um efeito de desejabilidade social. Ademais, encontramos evidências de que tanto dois determinantes individuais (interesse próprio e preconceito em relação ao grupoalvo) como um determinante contextual (áreas de conhecimento do curso universitário) explicam o efeito de desejabilidade social.
Autor: Letícia Maria Schabbach
Este artigo trata de representações coletivas (Durkheim, 1996) ou representações sociais (Moscovici, 2003) com recorte de gênero (Scott, 1986) sobre assuntos concernentes aos espaços público e privado (Saffioti, 1999; Fougeyrollas-Schwebel, 2009). A partir de compilação e análise de dados da Pesquisa Nacional “Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado” (Fundação Perseu Abramo, 2010), almejou-se: a) conhecer a difusão geral das representações; b) comparar as opiniões femininas e masculinas, em suas semelhanças e diferenças. As representações reforçam o papel da mulher como encarregada do trabalho reprodutivo e não remunerado e do homem como provedor do lar e atuante no espaço público, como demonstra, por exemplo, a desconfiança manifestada pelos entrevistados sobre a capacidade político-administrativa das mulheres e sobre a habilidade masculina em executar tarefas domésticas.
Autores: Ana Pamela Paz García, Silvina Brussino e Daniela Alonso
Reconhecendo as condições de polarização do mercado atual de mídia, são abordadas características salientes do processamento cognitivo da informação política textual de importância conjuntural (notícias reais da imprensa de fontes ideológicas contrastantes). Aplicando um desenho experimental intersujeito de grupos aleatórios (com uma variável independente que assume quatro níveis) sem um grupo de controle, são analisados os efeitos do tratamento jornalístico ideologicamente tendencioso sobre o processamento de informação do público local. O papel modulador das variáveis ‘necessidade de cognição’ e ‘autoposicionamento ideológico’ também é valorizado. Entre os principais resultados, confirma-se um padrão pró-atitudinal e mais tempo de exposição a fontes não familiares, juntamente com uma conexão entre percepção de viés, avaliação do tema e opinião sobre a fonte variável em função do autoposicionamento, entre outros fatores que mostram uma lógica seletiva de consumo autorreferencial e defensivo.
Autores: Francisco Javier Ruiz del Olmo e Javier Bustos Díaz
Os operadores audiovisuais de streaming estão rompendo o ecossistema audiovisual contemporâneo com uma influência crescente e predominante nos públicos jovens urbanos, em primeiro lugar, para constituir uma concorrência séria aos canais de televisão tradicionais. Junto a isso, as redes sociais e a interatividade que os conteúdos audiovisuais proporcionam às plateias são também uma mudança de paradigma na atividade do público televisivo. Nesse contexto, o presente artigo analisa, por meio de um estudo de caso, a situação de crise comunicativa que surgiu a partir do cancelamento de conteúdos (a série Sense8, 2017, produzida pela Netflix) e a repercussão em redes sociais (Twitter). Entre suas conclusões, aponta-se uma nova estratégia por parte desse tipo de empresa audiovisual para responder às demandas de seus públicos e integrá-las em seu discurso e práticas produtivas.