Opinião Pública – Vol. 28, Nº 3 2022
Artigos desta edição
Autores: Mario Fuks e Pedro Henrique Marques
Este artigo analisa se estão em curso, no Brasil, a polarização afetiva e (ou) a polarização ideológica, quais são as suas características e se elas estão dispersas ou concentradas em determinados grupos na sociedade brasileira. A pesquisa utiliza dados do Eseb (2002 – 2018) e do Lapop (2010 – 2019). Os resultados indicam que: 1) há um aumento da polarização, mas ela é predominantemente afetiva e mais intensa em relação aos candidatos; 2) embora já se observe alguns indícios em 2014, a polarização afetiva é bem mais visível em 2018; 3) no que diz respeito à ideologia, há uma polarização assimétrica, com o crescimento e a radicalização da direita. Diante dessas evidências, conclui-se que as características específicas da polarização brasileira estão relacionadas a aspectos do contexto político do país, tanto os de longa duração (como a reduzida base social dos partidos) quanto os mais recentes (como a reorganização da direita e a moderação do PT). Em comum com outros países, observa-se a concentração da polarização em indivíduos politicamente engajados.
Autores: Guilherme Azzi Russo, Jairo Pimentel Junior e George Avelino
A visão predominante sobre a eleição de 2018 é de que o eleitorado brasileiro deu uma guinada à direita. Neste artigo, argumentamos que uma das razões para explicar o aumento no posicionamento ideológico do eleitor como de direita pode ser atribuído ao processo de tomada de decisão do voto em si e não necessariamente ao aumento do eleitorado conservador. Para testar essa hipótese realizamos dois experimentos de survey que indicaram que a simples informação sobre o posicionamento ideológico do presidente Bolsonaro tem como efeitos nos respondentes: 1) o aumento do percentual dos que se posicionam na escala esquerda-direita; e 2) o reposicionamento mais à esquerda ou à direita de acordo com suas predisposições em relação ao presidente. A existência de um efeito reverso indica interpretação alternativa e complementar sobre a relação entre ideologia e processo de decisão do voto, tendo assim implicações importantes para a compreensão do contexto atual das eleições brasileiras.
Autores: Pedro Santos Mundim, Wladimir Gramacho, Mathieu Turgeon e Max Stabile
Este artigo investiga a ocorrência da exposição seletiva no Brasil, tendo em vista a frequência com que os brasileiros disseram buscar informações sobre a pandemia de COVID-19 no Jornal Nacional e no Jornal da Record. Utiliza dados de uma análise de conteúdo da cobertura desses veículos acerca do assunto em 2020 e os dados de uma pesquisa de opinião pública nacional. As análises realizadas mostram que o partidarismo e a religião foram importantes preditores do consumo de notícias desses veículos. Evangélicos e adeptos do “partido do Bolsonaro” eram telespectadores mais assíduos do Jornal da Record; católicos, partidários de outras legendas e apartidários consumiam mais o Jornal Nacional. Esses resultados indicam que os brasileiros consomem notícias em consonância com suas convicções políticas e que alguns grupos podem estar recebendo menos informação sobre a COVID-19.
Autores: Cristiano Rodrigues e Matheus Mazzilli Pereira
A aproximação institucional entre os movimentos negro e LGBT+ e o Partido dos Trabalhadores (PT) teve início em um mesmo período. No entanto, gerou efeitos políticos distintos durante a gestão do partido no governo federal. Este artigo avalia se, e como, essa distinção pode ser explicada pela relação entre esses movimentos e o PT e pela relação entre movimentos sociais e grupos opositores. Para tanto, analisa três conjuntos de evidências empíricas: 1) dados obtidos por pesquisa documental e bibliográfica acerca das relações entre esses dois movimentos sociais e o PT; 2) dados do orçamento federal para políticas de igualdade racial e de direitos LGBT+; 3) e dados sobre a produção legislativa favorável e contrária a esses temas entre a 52ª e a 54ª legislaturas. Os resultados indicam que as relações entre movimentos sociais, partidos e oposição legislativa explicam, ao menos em parte, as diferenças nos efeitos políticos dos movimentos. Tais achados introduzem novos elementos explicativos que enriquecem tradicionais modelos teóricos sobre as relações entre movimentos sociais, governos e burocracia.
Autores: Camila Penna, Priscila Delgado de Carvalho e Priscila Zanandrez
Dentre os estudos de cultura política e experiências participativas, a participação política comumente tem sido relacionada a valores democráticos e ao aprofundamento da democracia. No entanto, ainda existe uma lacuna explicativa sobre como ativistas de diferentes setores da sociedade civil pensam e concebem a democracia. Ancorado na pergunta: “Como pessoas com diferentes trajetórias de ativismo entendem a democracia?”, este artigo visa fornecer subsídios teóricos e empíricos sobre como cidadãs e cidadãos com experiências participativas diversas compreendem a democracia e, alternativamente, como concebem regimes não democráticos. A partir de análises das conversas produzidas por grupo focais realizados em Belo Horizonte, Porto Alegre e Montes Claros, entre os meses de março e setembro de 2019, o artigo demonstra como os entendimentos sobre democracia variam a depender do perfil e dos vínculos dos participantes.
Autores: Lígia Helena Hahn Lüchmann e Rodrigo Sartori Bogo
Com o objetivo de analisar o fenômeno da diminuição de orçamentos participativos (OPs) municipais no Brasil e em Portugal, este artigo apresenta dados inéditos de ocorrência dessas instituições participativas comparando os anos de 2016 e 2019. Os resultados mostram que, embora tenha havido diminuição de casos nos dois países, a ocorrida no Brasil foi de intensidade significativamente maior, apresentando uma queda de mais de 80% de casos de OPs nesse período, enquanto Portugal de aproximadamente 22%. Mobilizando o campo das políticas publicas, este artigo discute a importância das alterações político-partidárias eleitorais e sugere que o abandono de OPs ocorre não apenas em função da troca de governos, mas está relacionado ao crescimento de formatos menos exigentes de participação – em um conjunto de fatores -, como são os casos das audiências públicas, no Brasil, e de modalidades setoriais de OPs, além dos aplicativos digitais, em Portugal.
Autores: Natasha Bachini, Keila C. G. Rosa, Andressa Liegi Vieira Costa e Robson Nunes de Farias Silva
Neste artigo, analisamos as campanhas oficiais dos(as) candidatos(as) às prefeituras de todas as capitais brasileiras, em 2020, no Facebook. A partir de técnicas de estatística descritiva e da análise de enquadramentos, observamos os atores e narrativas com melhor desempenho na rede e suas principais características, como posicionamento no espectro político, enquadramentos, alinhamentos e recursos comunicacionais. Os resultados mostram a reação da esquerda na rede após as eleições de 2018, liderada por páginas de partidos pequenos, que usaram a plataforma principalmente para discutir conjuntura e questões identitárias. Contudo, mantiveram-se como tendência as práticas de campanha negativa e o agendamento de temas de apelo subjetivo, como família e religião, sobretudo entre as páginas apoiadoras de Bolsonaro, político mais referenciado durante o pleito.
Autores: Jesús Carrillo-Rodríguez e Claudia Eugenia Toca-Torres
Na Colômbia as sondagens eleitorais perderam credibilidade, de modo que a análise rigorosa das redes sociais, durante a campanha, deve fornecer a possibilidade de antecipar qualquer resultado das eleições. Mas quais elementos da opinião pública em redes determinaria o triunfo do candidato? O artigo recolhe na rede Twitter os componentes teóricos da opinião pública durante a campanha para prefeito de Bogotá, que puderam dar pistas sobre o nome do vencedor. Postagens e comentários foram extraídos para rotulá-los em ATLAS.ti e gerar as informações necessárias para a análise. Bem como as sondagens, as redes podem enganar, no entanto, os likes de qualquer rede (Facebook ou Twitter) teriam sido mais eficazes para antecipar o candidato vencedor. A originalidade reside na proposta de metodologia para a análise do conteúdo Twitter e levando em consideração os sentimentos e estados de espírito como uma parte importante das atitudes, o componente mais profundo da opinião pública. Com os resultados alcançados, a teoria política da opinião pública é validada considerando todos os seus componentes (mesmo os mais internos). Ao mesmo tempo, a prática das agências de votação terá de ser ajustada para não perder credibilidade.
Autor: Nayara F. Macedo de Medeiros Albrecht
Este artigo analisa a evolução do sistema de livre provimento de cargos da burocracia pública brasileira. Por um lado, a literatura sobre ocupação de cargos na burocracia associa a alocação dos postos ao presidencialismo de coalizão. Por outro, essa literatura também aponta iniciativas de profissionalização da burocracia e de fortalecimento das carreiras estatais. Nesse contexto, os dilemas presidenciais consistem na escolha entre buscar o apoio da coalizão mediante a nomeação de correligionários e controlar as políticas nomeando indivíduos alinhados às suas preferências. Neste artigo, teorias sobre mudança institucional são o principal marco teórico ao analisar a evolução das regras de nomeações a cargos públicos e seus impactos em características relacionadas aos perfis dos nomeados. Mediante estudo de caso sobre o Brasil, verifica-se a congruência entre as previsões teóricas e as evidências empíricas quanto à relação entre instituições e distribuição de cargos. A metodologia compreende revisão bibliográfica, análise documental e estatística descritiva. A pesquisa documental concentrou-se nas regras referentes a órgãos de controle da presidência da República e percentuais obrigatórios destinados a servidores de carreira. Os resultados mostram que as normas não são efetivas, uma vez que não foram cumpridas pelos órgãos da administração pública federal. Ademais, a quantidade de servidores de carreira ocupando cargos públicos já era alta antes do estabelecimento de percentuais obrigatórios. Já o papel dos órgãos de controle oscilou entre os diferentes mandatos. Apesar da centralização do poder presidencial, há evidências de que os dirigentes públicos detêm certa margem de liberdade na formação de suas equipes e que requisitos estabelecidos por lei foram descumpridos. Dessa forma, as conclusões reforçam a necessidade de incluir instituições informais nas próximas análises. Além de promover uma descrição contextual da realidade brasileira, este artigo contribui ao teste e à construção de teorias sobre a relação entre instituições e distribuição de cargos públicos.
Autores: Fellipe Herman, Francisco Paulo Jamil Marques e Edna Miola
O artigo investiga que fatores estão associados à qualidade da transparência em sites de governos locais no Brasil. Também questiona em que medida instituições de controle externo têm pressionado os municípios a melhorarem os recursos de transparência online. Por meio de modelos de regressão múltipla, discute de que modo variáveis sociodemográficas, políticas e econômicas são relevantes para explicar as diferenças na transparência digital em 5.563 cidades. Apesar de haver um processo de institucionalização da transparência pública liderado pela evolução da regulamentação federal, os resultados mostram que as experiências em nível local permanecem heterogêneas. Tamanho da população, PIB per capita, nível de educação e a participação eleitoral são estatisticamente importantes para explicar a qualidade das experiências de transparência digital. Conclui-se que agentes reguladores externos desempenham papel crucial na qualidade da transparência digital devido à possibilidade de impor penalidades legais. Uma utilização eficaz dos media digitais para promover práticas democráticas envolve a pressão de agências externas de monitoramento dispostas a desafiar uma cultura burocrática resistente à abertura.