Opinião Pública – Vol. 23, Nº 1 2017
Artigos desta edição
Autores: Fernando Bizzarro e Michael Coppedge
Neste artigo apresentamos resultados coletados pelo projeto Variedades da Democracia para o Brasil. Descrevemos a evolução histórica da democracia brasileira entre 1900 e 2015 enfocando seus cinco principais componentes (eleitoral, liberal, participativo, deliberativo e igualitário) e duas dimensões adjacentes ao regime (corrupção e partidos políticos). Por fim, nós comparamos os dados para o Brasil com resultados obtidos para outros países da América do Sul. A análise dos dados aponta: a. a existência de uma trajetória “em espiral” dos regimes políticos no Brasil, na qual novas experiências democráticas tendem a superar experiências anteriores em todos os quesitos; b. os avanços e limites da experiência democrática contemporânea em que se combinam bons resultados nos indicadores eleitoral, liberal e deliberativo da democracia, e resultados menos elevados nos componentes igualitário e participativo do regime, bem como em suas dimensões adjacentes.
Autor: Leonardo Avritzer
O Brasil se tornou uma referência na participação social após o sucesso do orçamento participativo no início dos anos 1990. A teoria padrão do sucesso da participação aponta seu impacto positivo sobre o sistema político. No entanto, o Brasil tem experimentado algumas mudanças importantes no nível tanto de participação como de representação desde 2013. No que diz respeito à representação, o fortalecimento das forças conservadoras no Congresso está ocorrendo devido a um aumento no financiamento privado. Estamos vendo também que a participação por si só não pode mudar a composição do sistema de representação. O Brasil atraiu a atenção mundial de eventos ocorridos em junho de 2013, o que causou mudanças nos padrões de participação social. O objetivo deste artigo é analisar as mudanças no Brasil e apontar como elas influenciaram o sistema político do país e afetaram a organização da democracia brasileira. Os dados mostram a forma como o MPL apresentou as suas demandas sem politizá-las (Figura 1) e como o MBL politizou as demandas feitas em junho de 2013 (Figura 2) organizando um movimento contra a corrupção e contra a presidente Dilma Rousseff.
Autores: Maria Teresa Miceli Kerbauy e André Luiz Vieira Dias
A hipótese deste artigo é a de que existem distinções em relação ao comportamento eleitoral entre os eleitorados paulista e brasileiro. No caso, os aspectos sociodemográficos, quando comparados aos identitários e pragmáticos, influenciam menos o comportamento dos eleitores paulistas do que o dos brasileiros em geral. Em síntese, os paulistas tenderiam a considerar menos os aspectos sociais, econômicos e identitários e mais os aspectos pragmáticos. Para isso, aplicamos o modelo de regressão logística binária sobre os votos para presidente e para governador de São Paulo no 1° turno das eleições de 2002 e 2014. A seleção de variáveis previsoras considerou algumas das que já foram e/ou ainda costumam ser indicadas por diversas pesquisas nacionais, além de outras sugeridas por este artigo, divididas em três grupos: variáveis sociodemográficas (renda familiar mensal, escolaridade, idade, sexo e religião), identitárias (interesse por política e posicionamento ideológico) e pragmáticas (rejeição partidária, beneficiário do Programa Bolsa Família, avaliação em relação ao governo, à economia e à democracia). Finalmente, acreditamos que este artigo possa contribuir como um estudo preliminar capaz de identificar aspectos e conjuntos de variáveis que explicam possíveis mudanças e tendências do comportamento político dos eleitorados paulista e brasileiro.
Autores: Natalia Maciel e Tiago Ventura
Este artigo analisa a evolução das bases eleitorais do Partido dos Trabalhadores para a Câmara dos Deputados no período de 1994 a 2014. Utilizando análise descritiva e modelos longitudinais com dados municipais, verificamos uma alteração dessas bases em direção a cidades com menor população e renda per capita mais baixa, localizadas, sobretudo, no Nordeste brasileiro. Demonstramos que as bases eleitorais do PT para a Câmara sofreram mudanças semelhantes às de seus candidatos à presidência. No entanto, ao contrário dos seus presidenciáveis, o programa Bolsa Família não possui poder explicativo sobre a votação para essa casa legislativa. Encontramos na presença do partido em executivos locais e na sua votação para governador e presidente indicadores mais relevantes de seu desempenho.
Autores: Paulo Peres e Amanda Machado
O recrutamento de lideranças políticas é uma das funções mais relevantes desempenhadas pelos partidos nas democracias contemporâneas. Porém, a literatura especializada costuma analisar apenas alguns aspectos relacionados à etapa final desse processo, como a seleção de candidatos, o perfil socioeconômico de lideranças já eleitas e as carreiras dos políticos, negligenciando as estratégias e modalidades de atração e formação de novos quadros empregadas pelas organizações partidárias. Consequentemente, até o momento, não foram desenvolvidos modelos heurísticos que permitam observar e analisar o recrutamento em seus diversos momentos. Nosso objetivo neste artigo é propor uma tipologia para o estudo do recrutamento partidário em todas as suas etapas. Para tanto, apresentamos uma definição conceitual que considera o recrutamento partidário como um processo abrangente que envolve três aspectos: (1) a atração de filiados para a organização; (2) a formação/treinamento dos futuros quadros; e (3) sua posterior alocação em postos na burocracia do partido ou nos governos e/ou sua seleção como candidato a cargos representativos, com o eventual exercício de algum mandato. Baseados nessa definição, propomos um modelo de análise que enquadra o recrutamento partidário de acordo com seus tipos, subtipos, formas, meios, modalidades e submodalidades.
Autor: Maurício Michel Rebello
O jogo entre governo e oposição sempre foi algo amplamente discutido na ciência política. Trabalhos recentes indicam que o sistema partidário de alguns países tem forte inclinação pró-governo, enfraquecendo a oposição partidária. Atualmente, no Brasil, discute-se como reduzir o poder de chefes do Executivo, como a recente proibição da reeleição imediata realizada pela Câmara dos Deputados. Neste artigo, propôs-se uma discussão sobre a força dos governos e dos desafiantes nas eleições para governos estaduais. Todas as eleições, desde 1994, foram analisadas a partir de dados do TSE em todas as unidades da federação. Os resultados indicam que o instituto da reeleição não causa uma barreira instransponível para aqueles que desafiam o governador. Porém, ao mesmo tempo, os dados sugerem uma relativa continuidade dos partidos políticos a nível estadual. Além disso, a ideia de que o Poder Executivo tem grande capacidade de atração sobre os partidos políticos não pode ser desconsiderada.
Autor: Alvaro Augusto de Borba Barreto
Este artigo analisa a trajetória dos prefeitos das 26 capitais estaduais brasileiras eleitos no período 1996-2008 após chegarem ao cargo. Busca identificar se procuraram novos postos eletivos e, em caso positivo, quais foram eles e os resultados alcançados, de modo a verificar a presença de algum padrão predominante nessas decisões com vistas a dar continuidade à carreira. O universo da pesquisa é formado por 77 indivíduos, quatro disputas de âmbito municipal (2000, 2004, 2008 e 2012) e outras cinco de âmbitos estadual e nacional (1998, 2002, 2006, 2010 e 2014), tendo o TSE como fonte principal. O fato de tais atores ocuparem o cargo de chefe do Executivo de um município com grande visibilidade e importância política e econômica no seu respectivo estado foi o ponto de partida do artigo, pois tais condições abrem a perspectiva de que possam alcançar outros postos eletivos relevantes na hierarquia política. Ao considerar as situações específicas desses prefeitos (reeleitos, desistentes da reeleição, derrotados e renunciantes em meio ao mandato), os resultados apontam que a ampla maioria pretende continuar na carreira política, inicialmente ao renovar o mandato e, na sequência, buscar outro posto eletivo, com preferência aos cargos legislativos. A taxa de sucesso na busca da reeleição é elevada, mas, ao ambicionar um cargo distinto, preponderam as derrotas, sendo que o posto mais seguro a ser alcançado é o de deputado federal.
Autores: Luis Felipe Miguel, Flávia Biroli e Rayani Mariano
Este artigo analisa o debate sobre a questão do aborto ocorrido na Câmara dos Deputados brasileira entre 1991 e 2014. Foram analisados 915 discursos, com um mapeamento do sexo e partido dos parlamentares, posições sobre aborto e argumentos mobilizados para sustentá-las ao longo do período analisado. Os dados mostram que há uma crescente ofensiva de parlamentares conservadores no Congresso, em sua maioria religiosos, que têm feito da luta contra o direito ao aborto uma de suas mais importantes bandeiras políticas, colocando na defensiva as posições favoráveis à descriminalização da interrupção voluntária da gravidez ou, ao menos, à ampliação dos casos permitidos pela legislação brasileira. Apesar de sua vinculação às igrejas, os parlamentares que atuam contra o direito ao aborto reduziram, ao longo do tempo, o apelo a argumentos abertamente religiosos, o que demonstra que a questão da laicidade do Estado ganhou algum peso no debate. Entre os defensores da legalização do aborto, os argumentos de saúde pública têm primazia sobre os argumentos ligados à autonomia das mulheres.
Autores: Rafael A. Duarte Villa e Marilia Carolina B. de Souza Pimenta
Nos últimos 40 anos, pesquisas mostraram que a disciplina de relações internacionais reproduz a influência norte-americana nos âmbitos da epistemologia, do método, dos paradigmas e dinâmicas institucionais. Este artigo visa a explorar o caso latino-americano, a partir da análise dos dados publicados pelo Teaching, Research and International Politics Project (TRIP) de 2014 do Instituto para a Teoria e Prática de Relações Internacionais do College William e Mary, Virginia (EUA), que pesquisa comunidades de relações internacionais em 32 países do mundo. O artigo tem por objetivo responder a duas questões principais: (i) se a influência norte-americana segue sendo dominante, em seus aspectos epistemológicos, paradigmáticos e de representações institucionais na região, tal como pesquisas no passado demonstraram; (ii) se existe contestação a tal influência na região. Em princípio, o artigo evidencia uma resposta positiva à primeira pergunta. Entretanto, e mais importante, a análise dos dados permite revelar a ascensão de questionamentos à influência norte-americana, sobretudo no que se refere aos aspectos epistêmicos e paradigmáticos. Os dados reforçam a tendência à miscigenação epistemológica e paradigmática e evidenciam não haver consenso quanto ao escopo de dominação norte-americana na comunidade latino-americana, especialmente por parte da comunidade epistêmica brasileira de relações internacionais, a mais numerosa e estruturada da região.