Opinião Pública – Vol. 24, Nº 3 2018
Artigos desta edição
Autores: Marcos Paulo dos Reis Quadros e Rafael Machado Madeira
Nos últimos anos, a reação de grupos de direita/conservadores ao avanço de “pautas progressistas” é um dos temas que mais tem despertado o interesse de pesquisadores da ciência política no Brasil. O presente artigo busca contribuir para esse debate, analisando, no âmbito da Câmara dos Deputados, a atuação de lideranças de dois dos principais vetores dessa agenda conservadora: a bancada evangélica e a bancada da bala. Para tanto, o artigo examina discursos e projetos de lei formulados por parlamentares entre 2010 e 2017, argumentando que, se ainda não é possível afirmar que o fenômeno da “direita envergonhada” está perdendo força de modo generalizado na Câmara dos Deputados, destaca-se um grupo de deputados bastante ativo e ideologizado, relativamente desvinculado das famílias políticas tradicionais e capaz de mobilizar abertamente categorias identitárias ligadas à direita e/ou ao conservadorismo.
Autores: Fagner Carniel, Lennita Ruggi e Júlia de Oliveira Ruggi
Este artigo tem como corpus analítico um conjunto de 69 memes contrários a Dilma Rousseff que viralizaram na web brasileira entre junho de 2014 e agosto de 2016 e investiga os conteúdos mobilizados durante a campanha pública em favor do golpe parlamentar ocorrido no Brasil em 2016. A análise dessas produções, enquanto ferramentas nas disputas políticas que culminaram no golpe, é uma forma de interpretar as dinâmicas contemporâneas da política brasileira e o próprio lugar conferido à figura da mulher e do feminino no espaço público. O acervo coletado revela que a comicidade se constrói, em larga medida, sobre as desigualdades de gênero e, ao não problematizar tal enquadramento subjacente, o reforça. Enquanto estratégia analítica, propomos a classificação dos memes em quatro chaves interpretativas inspiradas na teoria política feminista: (1) despersonalização ou invisibilização; (2) humilhação ou ridicularização; (3) objetificação ou sexualização; e (4) agressão ou violência. Ao identificar os dispositivos que sustentam a comicidade a partir de parâmetros discursivos compartilhados, a pesquisa demonstra como a dimensão generificada do humor político mobilizou estereótipos sexistas e misóginos que não apenas atingiram Dilma Rousseff, mas reforçaram o próprio lugar simbólico das mulheres na política nacional.
Autor: Felipe Corral de Freitas
O objetivo deste artigo consiste em demonstrar a construção antagônica entre os discursos produzidos pelas candidaturas de PSDB e PT realizados durante o Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) veiculados pela televisão na eleição presidencial de 1994, que acabou colocando o Plano Real como o ponto nodal desse conflito. A partir disso, percebemos que a dimensão do antagonismo identificada nesse espaço de conflito permite aos eleitores um maior acesso informativo sobre as candidaturas em disputa pela presidência da República, visto seu caráter desconstrutivista. Por isso, o retorno ao passado se justifica por dois principais motivos: a) esse momento pode ser lido como sendo o primeiro grande antagonismo entre os partidos PSDB e PT; e b) pouca ou nenhuma atenção foi dada pelos estudos que envolvem o HGPE à dimensão antagônica, o que pode iluminar mais um dos aspectos referentes à decisão do voto por parte do eleitor. Para isso, serão utilizados os aspectos teóricos e metodológicos da teoria do discurso de Laclau e Mouffe, enfatizando os conceitos de discurso e antagonismo, imprescindíveis para a captura dos sentidos discursivos que aqui são demonstrados. Concluímos, portanto, que a eleição de 1994 marcou o primeiro grande antagonismo entre PSDB e PT.
Autores: José Manuel Pantín e Jose Rama
Este artigo afirma, a partir de uma perspectiva institucionalista, que as características do sistema político e das administrações públicas locais condicionam o desenvolvimento de práticas clientelistas. O artigo pretende esclarecer a controvertida relação entre a compra de votos e o tamanho do distrito na Espanha e comprovar como o volume da população tem implicações que vão além da dimensão financeira e administrativa. Assim, o objetivo é introduzir no debate os efeitos do inframunicipalismo na qualidade da democracia. Para esse fim, algumas práticas associadas ao clientelismo relacionadas ao tamanho do hábitat são identificadas em uma série de pesquisas do Centro de Pesquisas Sociológicas (CIS). Empregam-se técnicas de regressão para indicar quais são elas e que impacto têm. A principal conclusão enfatiza que a probabilidade de relações clientelísticas (medidas por vários indicadores) aumenta à medida que o tamanho do habitat diminui.
Autor: Alexander Cambraia N. Vaz
O artigo investiga os impactos de capacidades burocráticas e sociopolíticas nos processos de formulação e implementação de políticas públicas. Realiza-se estudo comparativo de quatro instituições do poder Executivo federal brasileiro, buscando, através de seus respectivos percursos históricos de formação, elementos explicativos para sua situação atual em termos dessas capacidades. Em adição, realiza-se estudo de programas desenvolvidos por essas instituições, entrevendo em que sentido seu status corrente de capacidades tende a influenciar o desenvolvimento de cada um deles. A análise evidencia que a área temática de atuação dos órgãos/programas tem importante influência no potencial de desenvolvimento das capacidades estudadas. Ademais, o desenvolvimento conjunto dessas últimas parece levar à obtenção de resultados satisfatórios no desenvolvimento de políticas de uma forma geral.
Autor: Monize Arquer
O objetivo deste artigo é demonstrar que o contexto local (sociodemográfico e institucional) ajuda a explicar a alternância na decisão do eleitor entre os diversos partidos políticos. Para isso, analisa o índice de volatilidade eleitoral partidária para o cargo de vereador em cinco eleições consecutivas – 2000, 2004, 2008, 2012 e 2016 – tendo como base uma amostra representativa de todos os municípios brasileiros e tratando esse índice como variável dependente. Assim, o artigo contribui para a literatura sobre sistema partidário e sobre comportamento eleitoral. Os resultados encontrados indicam um efeito mais expressivo das variáveis contextuais entre os municípios de pequeno porte e no início do período analisado.
Autor: André Rubião
Este artigo analisa o uso do sorteio na política sob uma perspectiva genealógica e contemporânea. Ele reflete em torno desse mecanismo, pouco conhecido na América Latina, que seleciona cidadãos aleatoriamente para tomar decisões. O artigo expõe como essa ideia surgiu na Grécia antiga, depois foi utilizada na Itália renascentista, até ser rejeitada pelas repúblicas modernas. Ele mostra o resgate do sorteio nos anos 1970, em meio aos debates sobre a crise da representação e à ascensão da democracia deliberativa, trazendo como novidade o uso da amostra representativa, tal como ocorre nos júris de cidadãos, nas células de planificação e nas pesquisas deliberativas. O artigo revela a dinâmica em torno desses minipúblicos e o campo de experimentação que se abriu a partir deles. Analisam-se as críticas que esses mecanismos vêm recebendo, em especial o ceticismo com relação ao saber-cidadão e o fato de eles impossibilitarem a participação espontânea da sociedade. São apresentados exemplos recentes, como o orçamento participativo berlinense e a emenda constitucional irlandesa, que fornecem uma base empírica não somente para se contrapor a esses argumentos, mas para mostrar que o sorteio vem se tornando uma alternativa viável na política.