Opinião Pública – Vol. 27, Nº 1 2021
Artigos desta edição
Autor: Alejandra Armesto
Os cidadãos da América Latina estão mais preocupados com as consequências das mudanças
climáticas do que os de qualquer outra região do mundo. No entanto, essa preocupação nem sempre leva a priorizar o meio ambiente sobre o crescimento econômico. Este artigo argumenta que as restrições econômicas dos indivíduos condicionam a relação entre suas crenças sobre a gravidade das consequências das mudanças climáticas e suas preferências a respeito do dilema entre priorizar o meio ambiente ou o crescimento econômico. A análise dos levantamentos de 2016 do Barômetro das Américas (Lapop) em 18 países latino-americanos, com modelos hierárquicos lineares e equações estruturais generalizadas, mostra que a preocupação com as mudanças climáticas tem um efeito positivo significativo sobre a priorização do meio ambiente entre indivíduos com riqueza acima da média e um efeito negativo entre indivíduos com riqueza abaixo da média. Este artigo traz duas contribuições. Em primeiro lugar, o estudo analisa o efeito condicionado da preocupação pela mudança climática sobre a priorização do meio ambiente dependendo da situação econômica individual e, em segundo lugar, contribui para o conhecimento das atitudes ambientais na América Latina.
Autor: Adriana Veloso Meireles
O fenômeno do monitoramento automatizado das experiências privadas, realizado por algoritmos inteligentes, com a intenção de induzir certos comportamentos, é conceituado na literatura como capitalismo de vigilância. O artigo acrescenta alguns elementos a essa teoria a partir dos seguintes argumentos: a falta de transparência dos algoritmos impossibilita inferir com precisão sua capacidade de modulação comportamental; a formação das preferências é um processo complexo e maleável, que abrange estratégias de resistência e subversão; para que a dominação ocorra, é necessário que haja conformidade dos dominados, o que não se observa a partir de marcos normativos em vigência; por fim, o exercício do poder é diferente de sua capacidade de influência. A partir desses pontos, conclui-se que é necessário regular o próprio funcionamento dos algoritmos como complemento à proteção de dados pessoais.
Autores: João Carlos Sousa e Ricardo Morais
Neste artigo analisa-se o papel do Facebook como ferramenta articuladora de práticas cotidianas no seio dos movimentos sociais, quer na sua organização interna, quer na comunicação e interação com elementos externos. A metodologia mista implementada passa por: análise de conteúdo das páginas de Facebook dos oito movimentos estudados e realização de seis entrevistas presenciais com ativistas. Os resultados principais revelam que existe uma forte ancoragem dos movimentos ao quadro político mais amplo de crise social e política e de intervenção da Troika, assumindo como principal objetivo a sua contestação. Embora bem-sucedidos na mobilização da população portuguesa, a verdade é que o fulgor mobilizador se circunscreveu no tempo. O modelo construído revelou-se robusto e flexível, o que possibilita a sua replicação em pesquisas futuras no âmbito da sociologia política.
Autores: Andressa Butture Kniess e Francisco Paulo Jamil Marques
O artigo investiga se, e de que forma, a Controladoria-Geral da União (CGU) aborda a ideia de transparência em seus perfis de redes sociais. Três questões orientam a análise: Como o tema da transparência pública é mobilizado pela CGU no Facebook e no Twitter? Uma vez que Facebook e Twitter dispõem de estruturas e usuários distintos, que estratégias de comunicação são privilegiadas em cada rede? Em que medida as rotinas de comunicação digital da CGU foram transformadas na transição entre os governos Rousseff e Temer? A análise de conteúdo de 4.212 publicações no Facebook e no Twitter em 2015 e 2016 revelou que a instituição privilegia dois temas: transparência e corrupção. Ademais, autoridades públicas são pouco mencionadas, afastando-se uma perspectiva personalista de instrumentalização da comunicação. Descobriu-se, ainda, que a transição governamental efetivamente interferiu nas rotinas de publicação da entidade.
Autores: Pâmela de Rezende Côrtes e André Matos de Almeida Oliveira
O objetivo deste artigo é saber se, entre julho de 2013, período imediatamente posterior às Jornadas de Junho, e junho de 2017, no Brasil, houve movimentos com retórica anti-establishment buscando tornarem-se partidos políticos. A avaliação foi empírico-descritiva, usando os programas dos movimentos. Para conceituar a retórica de um movimento como anti-establishment político, foram utilizados os três critérios de Abedi (2004). Concluímos que havia, no Brasil, no período estudado, partidos em formação que possuíam retórica anti-establishment político. O artigo pode contribuir tanto para o estudo da retórica anti-establishment político no Brasil quanto para o estudo dos partidos políticos em formação, um objeto que recebe pouca atenção acadêmica.
Autor: Luciana Andressa Martins de Souza
Este artigo amplia a discussão acerca das disputas entre o Orçamento Participativo (OP), os partidos e os atores políticos locais, ao apresentar uma análise sistemática e diacrônica dos impactos da composição de forças dos partidos governistas e oposicionistas, delineadas no âmbito da arena eleitoral, sobre a adoção, durabilidade, interrupção e o fim dessa inovação democrática, assim como sobre os seus distintos graus de institucionalização. Para tanto, analisamos três pares contrafactuais de municípios com características majoritariamente semelhantes, a saber: São Carlos e Piracicaba; Rio Claro e Leme; Matão e Sertãozinho. Esses pares se diferenciam pelo partido que esteve à frente da iniciativa do OP (PT e outros partidos). Os resultados revelam um universo pouco explorado e passível de ser replicado em outros contextos, contribuindo tanto para a ampliação do debate acerca do papel do Legislativo no grau de institucionalização de instituições participativas quanto para o aprimoramento dessa agenda de pesquisa.
Autor: Marta Mendes da Rocha
Este artigo investiga a extensão do governismo no nível municipal, os incentivos para o alinhamento ao Executivo e as estratégias utilizadas pelos prefeitos para construir sua base de apoio na câmara municipal. A análise se baseou em dados de um survey inédito realizado em uma amostra de vereadores de municípios de Minas Gerais. As evidências mostram que o governismo é menos disseminado do que se poderia supor e que há espaço para uma ação independente dos vereadores. Também revelam que há uma parcela importante de vereadores disposta a permanecer na oposição e a mobilizar mecanismos de fiscalização e controle do Executivo. O artigo contribui para lançar luzes a respeito de um aspecto ainda pouco explorado pela literatura sobre o tema e problematiza a ideia do governismo generalizado no nível municipal e da completa subordinação das câmaras municipais aos prefeitos.
Autor: Sergio Simoni Junior
Quais são os mecanismos que conectam políticas de transferência de renda e voto para presidente? As explicações usuais focam, de modo geral, o “efeito direto”, ou seja, o seu impacto apenas nos beneficiários do programa social. A partir da análise do Programa Bolsa Família, argumento que o “efeito indireto” na decisão de voto dos eleitores não beneficiários que conhecem beneficiários pode ser tão ou mais importante que o efeito direto para o resultado eleitoral. Apresento mecanismos plausíveis para essa hipótese e proponho um modelo empírico a partir de surveys de 2006 e 2010. Contrariando visões correntes sobre o impacto regional da política social, os resultados mostram a importância do efeito indireto positivo especialmente para o voto no PT na região Sudeste. Assim, chamo atenção para o fato de que contatos sociais são mecanismos importantes para conformar o efeito eleitoral de políticas públicas.
Autores: Natália Nunes Aguiar e Gabriel Casalecchi
A associação positiva entre status socioeconômico (SSE) e participação eleitoral é amplamente apontada, embora os mecanismos dessa relação sejam pouco explorados. Apesar de o voto obrigatório ser visto como mitigador dos efeitos do SSE sobre o comparecimento e de sua abolição ser frequentemente proposta, o hipotético comparecimento eleitoral voluntário é pouco discutido no Brasil. Através de regressões logísticas e equações estruturais, utilizamos dados do Eseb 2014 para avaliar se o voto facultativo tenderia a ampliar a desigualdade socioeconômica entre eleitores e abstentes, bem como para explorar mecanismos de ação do SSE sobre o voto. Os resultados sugerem que a relação entre fatores socioeconômicos e a participação eleitoral voluntária hipotética é, em grande medida, indireta, sendo mediada por variáveis individuais de engajamento político – especialmente o interesse por política.
Autores: Cleber da Silva Lopes, Ednaldo Aparecido Ribeiro e Marcos Aparecido de Souza
A integração feminina à polícia vem encontrando obstáculos decorrentes do modo como policiais representam o policiamento e o papel que homens e mulheres deveriam desempenhar dentro dele. Este artigo pretende contribuir para o entendimento da natureza dessas representações e obstáculos. Ser homem ou mulher condiciona a percepção de que força física e coragem são atributos fundamentais para o policiamento? Influencia a visão segundo a qual os policiais masculinos são mais preparados para as atividades operacionais e as policiais femininas têm mais afinidade com as atividades de cuidado e assistência? O artigo analisa essas questões por meio de análise quantitativa de dados de uma pesquisa de survey realizada em 2012 na Polícia Militar do Paraná. Os dados indicam que homens e mulheres concordam igualmente com a visão de que o policiamento é uma atividade que demanda força física e coragem, mas mantêm perspectivas distintas sobre quem é mais apto a atuar nas atividades operacionais. Esses resultados sugerem dificuldades consideráveis para a integração das mulheres às atividades operacionais da polícia.