Opinião Pública – Vol. 27, Nº 3 2021
Artigos desta edição
Autor: André Singer
Qual a estrutura das predisposições ideológicas do eleitorado brasileiro e como elas são afetadas pelas estratégias das diferentes forças políticas? O artigo busca mostrar, com base em dados do Datafolha, que houve uma continuidade entre o observado logo após a redemocratização de 1988 e os 30 anos que se seguiram, a saber, a preferência pela direita por parte da maioria relativa do eleitorado em surveys de autolocalização no espectro ideológico. Depois, utilizando a noção teórica de ativação, o artigo testa, com base em pesquisas do Eseb, a hipótese de que, entre 2006 e 2014, teria havido uma tendência de desativação das predisposições ideológicas. A conclusão é que o lulismo despolarizou a disputa política e coube a Bolsonaro, com uma postura radical, reativar o conservadorismo na eleição de 2018, quando o campo da direita chegou a reunir 45% dos eleitores.
Autor: Diego Sanjurjo
O controle de armas tem sido uma questão política relevante ao Brasil durante mais de 20 anos. O primeiro objetivo deste artigo é compreender e explicar a inusitada importância desse assunto na agenda política. O segundo é a verificação empírica de uma modificação proposta ao marco das correntes múltiplas de John Kingdon para melhorar sua aplicação em contextos latino-americanos. Os resultados sugerem que tanto os partidários de um maior controle de armas como os partidários de sua liberalização foram capazes de explorar o aumento dos homicídios e sua proximidade a legisladores e presidentes para unir as correntes e reintroduzir sistematicamente o assunto na agenda. O processo foi marcado pela forte influência de grupos com interesses opostos, ao mesmo tempo em que os partidos políticos e a opinião pública representavam um rol secundário. Em consequência, o processo de constituição da agenda refletiu uma corrente política que reconhece como as legislaturas e os partidos políticos costumam ser débeis na América Latina, enquanto os grupos de interesses podem ter uma grande influência sobre os poderes executivos que dominam os processos de formulações de políticas.
Autores: Ariadne Natal e André Rodrigues de Oliveira
O artigo visa contribuir para discussões teóricas e metodológicas sobre a conceitualização, mensuração e identificação de preditores do medo do crime no contexto brasileiro. Com base em dados de survey aplicado em 2015 na cidade de São Paulo, o medo do crime foi trabalhado por meio de dimensões emocionais, cognitivas e comportamentais. Análises de regressões e modelagens de equações estruturais apontaram efeitos recíprocos entre as três dimensões e revelaram suas relações com aspectos individuais (variáveis sociodemográficas), experiências de vitimização (direta e indireta) e contextuais (percepções de desordem e coesão social). Os resultados evidenciam a natureza complexa do fenômeno, reforçando a mensuração mais abrangente, bem como revelam o papel de condicionantes como sexo, percepção de desordem, baixa coesão social, vitimização indireta, idade, escolaridade e status socioeconômico.
Autores: Fernando Fontainha, Paulo Rodrigues e Pedro de Araujo Fernandes
No ano de 2017, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) sofreu a sua maior e mais ampla alteração desde 1943. A Lei 13.467/2017, conhecida como a Reforma Trabalhista de 2017, modificou cerca de 120 artigos da CLT, impactando substantivamente a percepção de direitos, cálculo de verbas rescisórias e aspectos processuais gerais. O presente artigo se insere numa pesquisa de escopo mais amplo que buscou entender os impactos da Reforma Trabalhista de 2017 no fluxo processual do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 1ª Região, no recorte de 2015 a 2019. O objeto da análise aqui apresentada consiste na investigação dos efeitos da Reforma no acesso à Justiça do Trabalho – com enfoque no benefício de gratuidade de justiça –, nos assuntos principais dos processos e nos valores da causa e da condenação. Foi explicitada a trajetória legislativa da Reforma, seguida de uma discussão sobre alguns pontos de alteração no texto da CLT. Por meio de técnicas de estatística descritiva, apresentamos as mudanças observadas no fluxo dos processos no TRT da 1ª Região, indicando que, além da queda no número de processos, há uma alteração nos assuntos mais comuns e nos valores das causas e condenações.
Autores: Alison Ribeiro Centeno e Taiane Fabiele da Silva Bringhenti
As eleições de 2018 demarcaram a emersão de importantes alterações no cenário político brasileiro com a chegada de Jair Bolsonaro ao Planalto, colocando em evidência o perene debate da classificação ideológica dos partidos brasileiros. Nessa via, objetiva-se alocar, na escala esquerda-centro-direita, os partidos dos quatro primeiros colocados na disputa presidencial, mobilizando seus planos de governo ao setor econômico, por meio de uma abordagem qualitativa, tendo como ferramenta a análise de conteúdo. Assenta-se na metodologia empreendida o diferencial do presente artigo, em face do predominante exercício quantitativo nos trabalhos de semelhante intento. Observando a construção das ideias dos programas, podem-se classificar os programas de esquerda (PT e PDT), direita (PSL) e expor a flutuação do programa do PSDB entre o centro e a direita.
Autores: Felipe Borba e Steven Dutt-Ross
A eleição de 2018 colocou o Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) em xeque. Um candidato com apenas seis segundos de tempo de propaganda no rádio e na televisão foi eleito presidente. A vitória de Jair Bolsonaro não foi isolada e candidatos aos executivos estaduais igualmente sem tempo foram eleitos governadores. Mas será que o HGPE perdeu completamente a relevância para o eleitor? Para avaliar o grau de importância do horário eleitoral na eleição de 2018, este artigo realiza duas abordagens empíricas diferentes. A primeira verifica o nível de interesse pelo HGPE a partir da sua audiência. A segunda mede o impacto da exposição ao horário eleitoral sobre o nível de conhecimento dos eleitores em relação aos cinco candidatos para presidente mais votados. Para isso, o artigo analisa uma série de pesquisas de intenção de voto feitas pelo Instituto Datafolha no primeiro turno das eleições presidenciais de 2006, 2010, 2014 e 2018. Os resultados mostram que a busca dos eleitores pelo HGPE cresceu em 2018 em relação às três eleições anteriores e que assistir à propaganda eleitoral nesse ano contribuiu decisivamente para o nível de conhecimento dos eleitores sobre os candidatos. Esses achados colocam em evidência a importância do HGPE para a democracia brasileira.
Autores: Tábata Christie Freitas Moreira e Ana Paula Karruz
Uma linha emergente de investigação aponta que, em muitas democracias, os parlamentares sub-representam certos segmentos. Diante da ainda tímida produção sobre o tema no Brasil, analisamos se o grau de congruência entre preferências de deputados federais e representados varia entre estratos do eleitorado e, se sim, quais são os grupos mais bem representados. Nossa expectativa era que a congruência fosse menor para segmentos socialmente desfavorecidos, os quais dispõem de menos recursos para a participação política e mobilização de representantes. Utilizamos a distância de preferências em pares eleitor-representante (díades), reputada a medida mais adequada para apurar representação coletiva. A análise considera 11 issues no período 2004-2014. Os resultados confirmam a expectativa; notavelmente, a vantagem representativa dos mais escolarizados se revelou superior à dos mais afluentes.
Autores: Bruno Wilhelm Speck e Mauro Macedo Campos
O artigo analisa o financiamento das organizações partidárias no Brasil, no período de 1998 a 2016. Recorrendo a técnicas de estatística descritiva, tratamos do papel dos recursos públicos, das doações de empresas privadas, das contribuições dos filiados e dos parlamentares. Questionamos a aplicabilidade da tese da cartelização dos partidos ao caso brasileiro, mostrando que o modelo de distribuição dos recursos públicos promove a fragmentação, não a cartelização, do sistema partidário. Constatamos que o setor privado não mantém vínculos orgânicos com partidos que representam seus interesses, mas age de forma pragmática. Concentra as doações nos partidos que disputam as eleições para presidente, com ampla vantagem para o partido que ocupa a Presidência. Nem os filiados nem os parlamentares contribuem significativamente para o orçamento dos partidos no Brasil.
Autor: Henrique Curi
Este artigo é um estudo de caso sobre a trajetória eleitoral e organizacional do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) no estado de São Paulo entre 1994 e 2018. O objetivo foi identificar como o partido conserva sua dominância, com sete vitórias consecutivas para o governo do estado e maior número de prefeituras conquistadas dentre os demais partidos desde 1996. A hipótese é que a organização interna do PSDB paulista foi essencial para que o partido mantivesse seu sucesso eleitoral. A metodologia envolveu a coleta de dados eleitorais, que possibilitaram mensurar o desempenho eleitoral do partido para os cargos de vereador, prefeito e governador, além da realização de entrevistas para a compreensão das estratégias do partido. Os resultados demonstram uma organização interna fortemente institucionalizada, com uma Executiva estadual capaz de fiscalizar todos os municípios, atender a demandas e mostrar-se presente ao eleitorado.
Autor: Eduardo Munhoz Svartman
O artigo analisa as representações produzidas pelos think tanks estadunidenses a respeito do Brasil entre 2000 e 2016, período de maior protagonismo externo brasileiro e cuja projeção internacional representou um desafio epistêmico para o establishment de Washington. Para tanto, descreveu-se o panorama institucional no qual essa produção ideacional foi articulada e difundida nos Estados Unidos e empregou-se a metodologia da análise de conteúdo para investigar essas publicações e as entrevistas realizadas com atores que operam nesse ambiente. Argumenta-se que essa produção alimentou uma narrativa de valores compartilhados na qual o Brasil agiria de forma convergente com os EUA na divisão dos custos de manutenção da ordem em regiões como a América do Sul e a África Ocidental. Contudo, o dissenso quanto ao princípio de soberania e o papel dos Brics, bem como a retração da política externa, acentuada pela crise doméstica brasileira, engendraram também uma narrativa que enfatiza a desconfiança quanto às capacidades brasileiras e a decepção quanto ao seu protagonismo externo.
Autor: Pedro Emanuel Mendes
Este artigo apresenta um modelo de acumulação de poder simbólico para explicar a carreira política de Marcelo Caetano e a sua ambição progressiva rumo à liderança do Estado Novo português. Esse modelo, de base reflexiva e sociológica, é aplicado ao nosso caso através de um exercício de reconstrução histórica do percurso político de Marcelo desde a sua entrada nos corredores do poder até a sua ascensão à liderança em 1968. O artigo desenvolve novos argumentos teóricos sobre as carreiras dos líderes políticos e dos seus objetivos de obtenção de capital político e social, em especial da importância de acumulação de poder simbólico em regimes autoritários altamente ideológicos e carismáticos como o do Estado Novo. O seu principal objetivo é apresentar uma visão mais sofisticada e relacional do percurso político de Marcelo Caetano, designadamente da explicitação do dilema de sucessão carismática com que teve que se confrontar, e contribuir para a acumulação de conhecimento teórico e histórico sobre o regime autoritário português.
Autores: Juan Sebastián López, Danny Cuellar, Sergio Alvarado, María Alejandra Rincón, María Paula Velandia e María Alejandra Cantor
Este artigo caracteriza os debates mais destacados no Twitter Colômbia sobre a campanha pela prefeitura de Bogotá, 2019. Para isso, concentra-se na análise dos temas, na consistência argumentativa e nos tons dos debates. A amostra coletada compreende 51 Trending Topics (TT) e 503 tweets. A metodologia utilizada foi a análise de conteúdo. Como resultado se destaca a alta figuração de Claudia López, vencedora da contenda. Além disso, evidencia-se a preponderância dos meios dominantes posicionando temas na agenda midiática do Twitter e seu vínculo com líderes de opinião. Destaca-se o protagonismo dos cidadãos, que estão no centro dos debates mais intensos, especialmente marcados pelo tema da mobilidade, o que sugere uma agenda conjuntural. Verifica-se a persistência de enunciações falazes nas discussões de campanha e de um tom informativo como um dos modos de construir mensagens nos tweets, com algumas variações desqualificadoras, insultantes e humorísticas, que sugerem um debate negativo no Twitter.