Opinião Pública – Vol. 29, Nº 3 2023
Artigos desta edição
Autor: Daniel Buarque
O Brasil é um país emergente com muito potencial e ambição de se tornar um dos principais atores da política global. Alcançar esse alto status internacional, no entanto, não depende apenas de aspirações, mas de percepções intersubjetivas de Estados já estabelecidos como grandes potências. A ascensão do Brasil está ligada não apenas aos seus atributos de poder, mas em como o país é percebido pelos outros. Este artigo avança no estudo do status do Brasil ao analisar as imagens do país segundo as percepções da comunidade de política externa dos membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Ele contribui para o estudo de relações internacionais ao abordar a relação entre imagens e o nível de prestígio de uma nação. O artigo argumenta que o conhecimento sobre o Brasil é limitado mesmo entre as elites globais e está associado principalmente a estereótipos superficiais.
Autores: José Francisco Soares e Maria Teresa Gonzaga Alves
Este artigo apresenta uma medida do nível socioeconômico (NSE) de quase todas as escolas brasileiras. Indicadores primários – calculados com dados de questionários respondidos pelos estudantes nas avaliações educacionais – e indicadores secundários – que caracterizam o contexto social das escolas – foram agregados em uma escala de NSE por meio de um modelo da Teoria de Resposta ao Item. O NSE foi calculado para mais de 180 mil escolas. A metodologia deu visibilidade às escolas pequenas ou de áreas remotas que, até então, eram invisíveis para as políticas públicas, uma vez que elas não participam das avaliações educacionais. A relação entre resultados educacionais e o NSE representa as desigualdades do país. O NSE das escolas tem utilidade para a pesquisa acadêmica e potencial para contribuir com o aperfeiçoamento das políticas públicas que visam a reduzir as desigualdades educacionais.
Autores: Lizandro Lui, Lígia Mori Madeira e Lilian Rita Macedo Zorzetti Camara
Este artigo analisa como o uso de evidências científicas foi instrumentalizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento das ações sobre as políticas de combate à Covid-19. Conceitualmente, relaciona dois campos de estudos: judicialização das políticas públicas e políticas públicas baseadas em evidências. Partiu-se da coleta de ações de controle de constitucionalidade (ADIs e ADPFs) envolvendo os temas concorrentes da Covid-19 e de saúde, chegando a um universo de 46 ações, dentre as quais 25 são ADIs e 21 são ADPFs. Identificou-se que os ministros do STF, na tentativa de constranger as iniciativas levadas a cabo pelo Poder Executivo federal, passaram a utilizar o conhecimento científico como um operador argumentativo para legitimar suas decisões e se contrapor à postura entendida como negacionista do Presidente da República. Conclui-se a respeito da necessidade de mais estudos sobre como os ministros do STF fundamentam suas decisões e utilizam conhecimento científico de outras áreas, além do direito.
Autores: Alvaro J. Pereira Filho e Robert Vidigal
Estudos sobre eleitores partidários no Brasil mostram o declínio do partidarismo e dos sentimentos em relação aos partidos. Como a identidade partidária se mantém nesse cenário político? Argumentamos que, mesmo quando não avaliam bem o próprio partido, a identificação partidária se sustenta por meio dos sentimentos interpartidários, que se deterioram ao longo dos anos no país. A partir de dados do Estudo Eleitoral Brasileiro (ESEB) entre 2002 e 2018, os dados sugerem que os partidários estão menos entusiasmados com os partidos brasileiros e a relação entre sentimentos partidários se acentuou no contexto eleitoral mais recente. Os resultados da relação entre sentimentos partidários, utilizando um termo quadrático, indicam que as principais alternativas ao petismo justificam uma identidade partidária essencialmente na estratégia do menor dos males: a maior deterioração da imagem dos oponentes políticos como um mecanismo de justificativa da ambivalência em relação ao próprio partidarismo.
Autor: Viktor Chagas
Este artigo se propõe a compreender as dinâmicas concernentes a ações políticas, executadas por meio de hashtags no Twitter. Seu principal objetivo é responder se o acompanhamento dos trending topics pode ajudar a identificar momentos de tensão política aguda. Com base em uma análise de fluxos de ranqueamento, a hipótese principal levantada por essa investigação é a de que, como tendências de uma opinião pública conectada, as trends podem operar como um termômetro sobre o clima de opinião nas redes. Além disso, é possível notar, com o uso de hashtags como marcadores de apoio e desarrimo, o emprego de táticas de astroturfing para alcançar visibilidade e repercussão nas mídias sociais. O estudo empreendeu uma coleta sistemática das principais trends no Brasil, entre janeiro e julho de 2019, a fim de avaliar estratégias relacionadas à capacidade concorrencial desses grupos.
Autores: Claudio Luis de Camargo Penteado, Marcus Abilio Pereira, Emerson Urizzi Cervi, Helga do Nascimento de Almeida, Bruno Anunciação Rocha e Julia Marks Santana Chaves
Este artigo apresenta um estudo das dimensões que envolvem os embates discursivos entre grupos de apoiadores políticos no debate público em plataformas digitais. Por meio do estudo de caso do embate no Twitter em torno da demissão de Weintraub do Ministério da Educação do governo Bolsonaro, apresenta uma análise que destaca três dimensões do embate discursivo: (a) a cronologia do comportamento das redes de interação discursivas sobre o tema; (b) as temáticas que foram mobilizadas; e (c) o perfil daqueles usuários que mais tuitaram durante as discussões. Os resultados apontam que os embates discursivos são dominados 1) pela replicação de mensagens originais (retweets), 2) pelo entrecruzamento de temas que envolvem os personagens e o contexto do conflito e 3) pela grande atividade de perfis não institucionais na difusão das mensagens associadas a seus posicionamentos ideológicos.
Autores: Isabelle Christine Somma de Castro e Ignacio Javier Cardone
A Tríplice Fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai é muitas vezes associada a uma terra sem lei, o que desconsidera suas características de polo energético, comercial e turístico. O foco deste artigo é observar quais são as representações sobre a região nos jornais Folha de S.Paulo e O Globo e se elas tendem a reforçar essa imagem. Para tanto, são usados os pressupostos teóricos de framing e agenda-setting. Também optou-se por uma análise qualitativa, complementada pelo software NVivo, que detectou o léxico que mais frequentemente é associado à região. Os resultados demonstram uma prevalência de assuntos ligados a ilegalidades, com ênfase em terrorismo. Do total de textos sobre a Tríplice Fronteira publicados entre 2011 e 2019, 55,5% deles, em O Globo, e 47%, na Folha de S.Paulo, referem-se a ilegalidades. O radical terror- esteve presente, respectivamente, em 39% e 40% dos textos. Este artigo sugere que a cobertura jornalística feita pelos dois veículos de comunicação não segue acontecimentos pontuais e carece de vozes dissonantes das forças de segurança. Isso tende a reforçar a imagem de região insegura e, que, por isso, demandaria soluções de vigilância e controle.
Autor: Vinícius Silva Alves
Por mais de duas décadas, dois partidos protagonizaram a competição presidencial no Brasil, o que levou parte da literatura a considerar que o sistema partidário nacional estaria centrado na corrida presidencial. Estudos recentes, porém, têm destacado a influência do arranjo federativo e de eleições subnacionais para o entendimento do sistema político brasileiro. Este artigo emprega um modelo de regressão binomial negativo para examinar dados eleitorais de 1994 a 2018 e testar a hipótese de que as eleições para governador são mais influentes do que a corrida presidencial na distribuição de assentos na Câmara dos Deputados. Destacam-se os seguintes resultados: (i) liderar uma coligação presidencial não acresce o número de cadeiras conquistadas na Câmara; (ii) lançar candidatos a governador amplia a quantidade de deputados federais eleitos por cada partido.
Autor: Lidia Ten Cate
A partir do estudo de emendas orçamentárias individuais ao Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) alocadas aos municípios, busca-se analisar os fatores relacionados às chances de um município receber esses recursos e os efeitos do recebimento em suas dinâmicas eleitoral e orçamentária. As análises exploram o tema abrangendo emendas alocadas entre 2015 e 2019, com o uso de abordagem quantitativa, por meio dos modelos de regressão linear e Propensity Score Matching. As conclusões indicam papel ativo dos municípios na alocação desses recursos e interferência de suas características políticas e orçamentárias na propensão ao recebimento de emendas. Além disso, identificam-se retornos orçamentários e políticos diversos entre emendas alocadas em saúde, educação e urbanismo, sendo esta última responsável pelas maiores expansões orçamentárias e pelos retornos eleitorais.
Autor: Matias López
Ao constatar diversas similaridades entre os candidatos presidenciais Enéas Carneiro e Jair Bolsonaro, neste artigo testo a hipótese de haver um perfil comum entre o eleitorado de ambos. Usando dados eleitorais e pesquisas de intenção de voto, descrevo como a distribuição territorial do voto em Enéas converge com a de Bolsonaro e como os preditores mais eficientes do voto em Enéas também preveem o voto em Bolsonaro. Os resultados apontam para um nicho pequeno, porém estável, no apoio às candidaturas de direita radical ao longo do tempo: homens jovens, brancos, com maior educação formal e renda. O artigo informa a discussão sobre a existência de um “núcleo duro” da direita radical no Brasil, apontando possíveis mecanismos relativos à frustração e à raiva de homens brancos jovens após a redemocratização